sábado, 27 de março de 2010

Cansa


Cansa tanto esperar
A carne viva
Partilhada
Não comprada
Não vendida

Cansa muito
Pisar o vazio
O éter
O asfalto
As pedras que não calcas

Cansa tanto
Esperar a tua pele
O teu olhar
O teu riso
O teu enigma

Ah quanto cansa
Ver o teu lugar
Na mesa vazio
O prato limpo
À espera
Ah quanto cansa
Acordar do meu sonho
Onírico
Vigilante
Mas SONHO

segunda-feira, 22 de março de 2010

A máscara


Hoje vesti o meu reino de silêncio
Mudei o tempo com suspiros
e as estrelas por profetas

As minhas pedras viraram
punhais de dores
e as minhas mãos
passaram a agulhas de gelo

Subi à torre do meu castelo
e olhei as palavras das alturas

Dentro do meu copo de vento
Sufoquei escadas de água
Reprimi com muita dor
o meu desejo
e mordi o meu corpo com beijos adiados
Marquei um lugar na minha cama
e esperei em vão por um sonho
sem destino
Neguei o meu copo de vinho
Mas comi a infância do meu pão

Roubei o meu tédio de ondas
em desalinho
e esfacelei os meus anseios
transformando-os em insultos
Agora sou um outro
que ri dos deuses e dos anjos
Apaguei demónios de horror
e sigo a imagem do Herói
que um dia dormiu em mim

sexta-feira, 19 de março de 2010

Agora


Agora
Quis-te
E vieste
Enfim
Escuto o silêncio
Dos teus passos

Acabaram
Os desalentos
Os cansaços
As longas esperas
As noites infindáveis

Agora o Mundo
Já não é Mundo
É um jardim
Já falo
Com as pedras do caminho
Converso
Com o rio
Olho o céu
Agora elé é mais azul
O sol
Mais doirado
As aves permanecem
Todo o ano

Conto-te
As minhas alegrias
A minha esperança
O meu sonho
Como criança
Numa manhã de Natal
A quem deram brinquedo novo

Tenho ilusões
Como ninguém
E espero
E desespero
P'lo teu olhar
Fico em êstase
Na noite dentro de mim
E vou guardar-te
Para sempre
Dentro de mim

terça-feira, 16 de março de 2010

O surdo mudo




Ele sómente olha
Não diz
Vê tudo
Mas não ouve
Fica com o sabor de boca ressequida

O silêncio é o Mundo ao seu redor
A sua solidão,não é uma invenção
É o amargo da sua dor

Tenta em vão agarrar a terra
para ser um corpo vivo
mas sufoca em pedras frias

Não tem portas
Nem estrelas
Não tem harpas nem tambores

Quer ouvir o poeta num jardim de amendoeiras
Mas o vazio é o frio do seu leito

Na seara do seu peito
nasce uma raiva de suspiros

E então repele o céu estrelado
Engole as palavras no seu mar sem fundo
Até ao tocar sua pele
ela lhe parece alheia

Fica a viver o resto
com a raíz do instinto
E o seu gelo é incapaz de aquecer aquilo que dói nele

Partem tão tristes os seus pés
Como quem carrega o peso das palavras

Vitor Correia